Nada é mais lúdico e prazeroso do
que realizar um sonho de infância. Todos nós temos os nossos, alguns
permanecem, outros já não. Mas aqueles que ficam muitas vezes se tornam
apenas lembranças de um desejo, pensamentos que o mundo adulto não mais se deixa influenciar.
Ouso admitir que um dos meus mais
preciosos, é até bem simples. Eu sabia que iria realizá-lo, mas havia perdido a
esperança da magia que seria se o tivesse realizado quando nova. NEVE, meu
sonho era conhecer a neve. Passava horas em frente da televisão vendo inúmeros
filmes, todos com aqueles cenários branquinhos, ambientes perfeitos para a magia acontecer. Eram
“Esqueceram de mim”, “Bela Adormecida”, “Meu
papai virou Noel” entre tantos outros. Guerras de bola de neve, bonecos de
falantes, anjos de neve e amores perfeitos. Era o mínimo que eu esperava daqueles
floquinhos milagrosos.
Aos 20 anos, com muitas
viagens frustradas para lugares frios, e com uma vida adulta e sem magia despontando
no horizonte, recebi um presente. Três meses de intercambio em Nova Iorque, em
pleno o inverno. Era perfeito, mataria dois coelhos com uma cajadada só, moraria
fora, (outro sonho de criança, não tão ingênuo), e finalmente conheceria a
danada da neve. Aconteceu que, uma semana antes de viajar, comecei a namorar um
amigo, por quem estava completamente apaixonada e que, coincidentemente, passaria
uma semana em Nova Iorque na mesma época que eu.
“Houston, temos um problema”, para o meu desespero aquele foi o inverno
mais quente dos últimos 50 anos. Nevou apenas duas vezes desde que o inverno
começara, e um mês depois da minha chegada eu ainda não vira nada. Com o
inverno começando a acabar, eu já tinha perdido as esperanças, e admito, estava
ligeiramente desapontada.
Meu mais novo namorado iria
chegar ao final de fevereiro, e comecei a me animar novamente. Mais uma vez um
banho de agua fria, em seu primeiro dia lá, um danado de um vinho californiano
o deixou de cama. Perdidos 3 dias de viagem com ele passando mal, finalmente
começamos a sair. Visitamos a cidade, encontramos com amigos, jantamos, e até
um pedido de casamento vimos na pista de gelo do Rockfeller center. E nada de
neve.
Sua estada acabou sendo corrida,
mas no último dia, insisti para irmos ao Central Park patinar no gelo e
fomos procurar a pista. Depois de meio parque caminhado e metade do dia
perdido, devido a minha teimosia de firgir que conhecia tudo, finalmente paramos para
pedir informação. A Pista era no início, do lado do portão que entramos. Era quase
5 horas, e com um teatro marcado para as 8 da noite, voltamos às pressas.
Quando chegamos, a pista estava
fechada, um grupo de patinadores profissionais estava filmando uma
apresentação, enquanto um coral gospel cantava “ Oh Happy Day” em plenos
pulmões. Foi simplesmente perfeito. E ao final da
apresentação, quando todos se jogavam no chão, começou a cair uma poeirinha branca
do céu. Foi quando ouvi no meu pé do ouvido, “olha amor, está nevando”. Não
acreditei, praguejei que era impossível e que aquilo era cenografia. Nada
poderia ser tão perfeito. Já atrasados saímos do entorno da pista em busca de
uma saída, mas a tal da cenografia não parava. Foi neste momento que a ficha
caiu, estava nevando de verdade, depois de tudo, de um mês e pouco em Nova Iorque
finalmente estava nevando. Abri um sorriso e senti naquele momento cada floquinho
que caia no meu rosto.
Eu estava em êxtase, morrendo de frio, mas querendo cada
vez mais sentir tudo aquilo, uma enxurrada de sensações, fisicas e emocionais. Eu cheirava o ar, abria a boca, as mãos e a alma.
Naquele momento fui transportada para um mundo dos sonhos, chorei e sorri ao
mesmo tempo, e tive ali o que para mim é a experiência estética. É deixar as coisas
nos tocar internamente, nós deixar levar e usar todos os sentidos, como uma
obra de arte que mexe com nossa cabeça e emoções. Estava com o homem que mais
tarde passaria a amar, em plena a mágica cidade de Nova Iorque, realizando,
como uma princesa, o meu sonho de criança.
Melina Valente Marques